COQUE - RECIFE: TERRITÓRIOS ANFÍBIOS DO CAPIBARIBE
Abstract
O trabalho enfoca o estilhaço de “territórios anfíbios” do Coque na cidade do Recife às margens do rio Capibaribe. O propósito do estudo assenta-se na relação construída pelos moradores com os espaços estuarinos, seus usos, relações vividas e apropriações materiais e simbólicas em face à urbanização em curso, que tende a diluir o convívio com os espaços da “maré”. Situado
nas circunvizinhanças dos bairros centrais de São José e Afogados, na chamada ilha de Joana Bezerra, o Coque teve sua ocupação inicial engendrada pela chegada de famílias pobres aos mangues do Capibaribe, ainda na primeira metade do século XX, sobretudo de migrantes vindos das secas do sertão nordestino. Batendo o solo frouxo dos alagados, construíram seus
mocambos, passando a se alimentarem das ofertas existentes no mangue: caranguejos, crustáceos, peixes... Em razão do quadro de penúria e descaso social, inúmeras mazelas assolaram à zona de mocambos, sobressaindo a violência urbana. Entre 1970-80, a comunidade passou a ser cultuada de forma negativa, estigmatizada, como um reduto da criminalidade, não
obstante à luta dos seus moradores por um espaço de moradia em face às coações do Estado e de outros agentes espaciais interessados na desapropriação daquela área próxima ao centro e à Zona Sul da cidade. Malgrado o quadro esboçado, o Coque resiste em seu cotidiano comum, marcado pelo engajamento e contato amiúde de seus moradores dentro de um estilhaço de
territórios, que se mostra mais despedaçado às margens do Capibaribe, nos múltiplos espaços de uma vida estuarina, por entre becos, palafitas, aterros, tanques, viveiros e invasões da mistura incerta de terra e água do Recife. Nesta “geografia da maré” apreende-se memórias, estratégias territoriais e geossímbolos, interpretando e cartografando os espaços do passado e
do presente, numa releitura do mundo vivido do Coque, ainda marcado por uma aproximação dos indivíduos com o meio circundante. Embora o mimetismo do “homem-caranguejo” de Josué Castro não seja tão evidente, aqui e acolá, percebe-se outros vínculos com o “mangue”, a “maré” e o “rio”, onde as casas, ruas, os quarteirões, aterros (feitos com conchas e carapaças de mariscos) e as próprias pessoas evocam ligações com as margens lamacentas do Capibaribe.
Isto se faz presente no espaço da antiga Ponte Gaiola, no lendário Beco da Morte, nas palafitas e viveiros da Areinha, na Realeza, entre outros “territórios anfíbios” do Coque.